Atitudes
"A sua decisão de se dedicar à filosofia repousava, pelo que me diz e pelo que conheço de si, no entusiasmo que lhe despertam as leituras dos filósofos, no interesse que têm para o meu Amigo todos os grandes problemas filosóficos e no gosto que teria em apresentar um dia uma congeminação sólida, sem falhas, sobre a estrutura do mundo, sobre o sentido da vida. O não ter posto qualquer espécie de preocupação material, o não ter pensado logo, como quase todos os outros, nas possibilidades que haveria para si de se empregar no fim do curso, não lhe deve ter deixado de aparecer como um bom gosto moral, porque o sei bem sensível em tais questões. Como esta conversa de hoje tem fatalmente de seguir um pouco o curso errante de outras nossas conversas, porque, como já teve ocasião de me dizer, não possuo muito o talento da construção lógica, vou dizer-lhe o que penso deste ponto, ou, pelo menos, de uma parte dele.
"Não sei por que motivo o meu Amigo põe de lado tão ligeiramente os interesses materiais: não ignora decerto que há países em que a profissão de filósofo, de filósofo de ensino, não dá nenhuma espécie de compensação material: é um trabalho para vegetar, não realmente para viver. Você tenciona, pelo que depreendo da sua carta ser um filósofo, não no sentido de que exporá doutrinas alheias ou construirá uma sua doutrina e se dará por satisfeito com tudo isso, mas no sentido de que tentará pôr a sua vida de acordo com a sua filosofia, à maneira de certos gregos e de quase todos os indús. Se isto é assim, o facto de se não importar muito com a parte material da vida, de ter, como se diz, desprezo pelo dinheiro, é já a consequência de uma filosofia; se fosse a sua filosofia a estar de acordo com a vida, você construiria por exemplo uma filosofia de miséria sobre uma vida de miséria; mas, como é o contrário, você sobre uma filosofia de desprezo dos bens materiais constrói uma vida em que esse desprezo se manifesta amplamente; mas desprezo ou repulsão? Um Séneca, como você talvez já saiba, teve o desprezo das riquezas, mas foi banqueiro; um santo tem o desprezo da riqueza e nunca é banqueiro: são duas atitudes diferentes. Você naturalmente vai pela primeira: se a miséria vier, paciência, se vier a riqueza, paciência também."
(Agostinho da Silva, "Sete Cartas a um Jovem Filósofo", Ulmeiro)
"Não sei por que motivo o meu Amigo põe de lado tão ligeiramente os interesses materiais: não ignora decerto que há países em que a profissão de filósofo, de filósofo de ensino, não dá nenhuma espécie de compensação material: é um trabalho para vegetar, não realmente para viver. Você tenciona, pelo que depreendo da sua carta ser um filósofo, não no sentido de que exporá doutrinas alheias ou construirá uma sua doutrina e se dará por satisfeito com tudo isso, mas no sentido de que tentará pôr a sua vida de acordo com a sua filosofia, à maneira de certos gregos e de quase todos os indús. Se isto é assim, o facto de se não importar muito com a parte material da vida, de ter, como se diz, desprezo pelo dinheiro, é já a consequência de uma filosofia; se fosse a sua filosofia a estar de acordo com a vida, você construiria por exemplo uma filosofia de miséria sobre uma vida de miséria; mas, como é o contrário, você sobre uma filosofia de desprezo dos bens materiais constrói uma vida em que esse desprezo se manifesta amplamente; mas desprezo ou repulsão? Um Séneca, como você talvez já saiba, teve o desprezo das riquezas, mas foi banqueiro; um santo tem o desprezo da riqueza e nunca é banqueiro: são duas atitudes diferentes. Você naturalmente vai pela primeira: se a miséria vier, paciência, se vier a riqueza, paciência também."
(Agostinho da Silva, "Sete Cartas a um Jovem Filósofo", Ulmeiro)
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