Dias com árvores ©
A minha pior queda aconteceu também no primeiro ano de escola. Deu-se do alto de um abeto de quatro metros e meio, e passou-se exactamente de acordo com a primeira lei da gravidade de Galileu, a qual reza que a distância percorrida por um móvel em queda livre é igual a metade do produto da aceleração da Terra pelos quadrados dos tempos (s=½gt2), e, portanto, demorou exactamente 0,9578262 segundos. O que é um período de tempo extremamente curto. É mais curto do que o tempo que é preciso para contar de vinte e um até vinte e dois, e até mais curto do que o tempo que preciso para pronunciar bem o número «vinte e um»! A coisa aconteceu tão depressa, que não consegui estender os braços nem desabotoar o meu casaco e usá-lo como pára-quedas, nem sequer me surgiu a brilhante ideia de que de facto não precisava de cair, uma vez que podia voar - não fui capaz de pensar absolutamente em nada naqueles 0,9578262 segundos e, antes que compreendesse de todo que estava a cair, já me estatelava no solo da floresta de acordo com a segunda lei da gravidade de Galileu (v=u+gt) a uma velocidade final de mais de trita e três quilómetros por segundo, e de um modo tão violento, que consegui partir com o meu occipital um ramo da grossura de um braço. A força que originou isto chama-se «força da gravidade». Ela não só mantém o mundo unido no seu âmago, como ainda tem a complexa qualidade de atrair para si, com uma força brutal, tudo, quer seja grande ou pequeno, e parece que apenas nos libertamos das suas garras enquanto estamos no ventre materno ou, como os mergulhadores, debaixo de água. Juntamente com este conhecimento elementar, ganhei um inchaço com a queda. (...)
Portanto, no tempo em que ainda trepava às árvores - e eu trepava muito bem, nunca caía! Até conseguia trepar às árvores que não tinham ramos em baixo e às quais se tinha de subir pelo tronco nu, e conseguia também saltar de uma árvore para outra, e construia inúmeros refúgios no topo, uma vez até fiz uma autêntica casa com telhado e janelas e alcatifa, no meio da floresta, a dez metros de altura - ah, creio que passei a maior parte da minha infância em cima das árvores, lá aprendi o vocabulário inglês e os verbos irrregulares latinos e fórmulas matemáticas e leis físicas como, por exemplo, a mencionada lei da gravidade de Galileu Galilei, tudo em cima das árvores, fazia os meus trabalhos de casa orais e escritos em cima das árvores, e com prazer urinava do cimo das árvores, fazendo um arco ruidoso e alto através da ramaria.
Portanto, no tempo em que ainda trepava às árvores - e eu trepava muito bem, nunca caía! Até conseguia trepar às árvores que não tinham ramos em baixo e às quais se tinha de subir pelo tronco nu, e conseguia também saltar de uma árvore para outra, e construia inúmeros refúgios no topo, uma vez até fiz uma autêntica casa com telhado e janelas e alcatifa, no meio da floresta, a dez metros de altura - ah, creio que passei a maior parte da minha infância em cima das árvores, lá aprendi o vocabulário inglês e os verbos irrregulares latinos e fórmulas matemáticas e leis físicas como, por exemplo, a mencionada lei da gravidade de Galileu Galilei, tudo em cima das árvores, fazia os meus trabalhos de casa orais e escritos em cima das árvores, e com prazer urinava do cimo das árvores, fazendo um arco ruidoso e alto através da ramaria.
("A História do Senhor Sommer", Patrick Süskind, com ilustrações de Sempé)
4 :
Olá ;-)
Não resisti ao isco e "roubei-vos" um pedacinho deste texto delicioso.
Abraço
enviado por ManuelaDLRamos em janeiro 08, 2006 7:45 da tarde
Fez muito bem! Obrigada pela beleza das árvores, tão bem registada.
enviado por Anónimo em janeiro 10, 2006 9:28 da tarde
Muito bonito mas uma queda a trinta e três quilómetros por segundo faria um bom buraco no chão!!
enviado por Anónimo em abril 01, 2006 8:33 da tarde
Havia de ter lido a parte em que ele voava... :)
enviado por Aristarco em abril 13, 2006 9:56 da tarde
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