Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004)
Musa
Musa ensina-me o canto
Venerável e antigo
O canto para todos
Por todos entendido
Musa ensina-me o canto
O justo irmão das coisas
Incendiador da noite
E na tarde secreto
Musa ensina-me o canto
Em que eu mesma regresso
Sem demora e sem pressa
Tornada planta ou pedra
Ou tornada parede
Da casa primitiva
Ou tornada o murmúrio
Do mar que a cercava
(Eu me lembro do chão
De madeira lavada
E do seu perfume
Que atravessava)
Musa ensina-me o canto
Onde o mar respira
Coberto de brilhos
Musa ensina-me o canto
Da janela quadrada
E do quarto branco
Que eu possa dizer como
A tarde ali tocava
Na mesa e na porta
No espelho e no corpo
E como os rodeava
Pois o tempo me corta
O tempo me divide
O tempo me atravessa
E me separa viva
Do chão e da parede
Da casa primitiva
Musa ensina-me o canto
Venerável e antigo
para prender o brilho
Dessa manhã polida
Que poisava na duna
Docemente os seus dedos
E caiava as paredes
Da casa limpa e branca
Musa ensina-me o canto
Que me corta a garganta
Sophia de Mello Breyner Andresen, Livro Sexto (1962)
******
O poema
O poema me levará no tempo
Quando eu já não for eu
E passarei sozinha
Entre as mãos de quem lê
O poema alguém o dirá
Às searas
Sua passagem se confundirá
Com o rumor do mar com o passar do vento
O poema habitará
O espaço mais concreto e mais atento
No ar claro nas tardes transparentes
Suas sílabas redondas
(Ó antigas ó longas
Eternas tardes lisas)
Mesmo que eu morra o poema encontrará
Uma praia onde quebrar as suas ondas
E entre quatro paredes densas
De funda e devorada solidão
Alguém seu próprio ser confundirá
Com o poema no tempo
Sophia de Mello Breyner Andresen, Livro Sexto
Musa ensina-me o canto
Venerável e antigo
O canto para todos
Por todos entendido
Musa ensina-me o canto
O justo irmão das coisas
Incendiador da noite
E na tarde secreto
Musa ensina-me o canto
Em que eu mesma regresso
Sem demora e sem pressa
Tornada planta ou pedra
Ou tornada parede
Da casa primitiva
Ou tornada o murmúrio
Do mar que a cercava
(Eu me lembro do chão
De madeira lavada
E do seu perfume
Que atravessava)
Musa ensina-me o canto
Onde o mar respira
Coberto de brilhos
Musa ensina-me o canto
Da janela quadrada
E do quarto branco
Que eu possa dizer como
A tarde ali tocava
Na mesa e na porta
No espelho e no corpo
E como os rodeava
Pois o tempo me corta
O tempo me divide
O tempo me atravessa
E me separa viva
Do chão e da parede
Da casa primitiva
Musa ensina-me o canto
Venerável e antigo
para prender o brilho
Dessa manhã polida
Que poisava na duna
Docemente os seus dedos
E caiava as paredes
Da casa limpa e branca
Musa ensina-me o canto
Que me corta a garganta
Sophia de Mello Breyner Andresen, Livro Sexto (1962)
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O poema
O poema me levará no tempo
Quando eu já não for eu
E passarei sozinha
Entre as mãos de quem lê
O poema alguém o dirá
Às searas
Sua passagem se confundirá
Com o rumor do mar com o passar do vento
O poema habitará
O espaço mais concreto e mais atento
No ar claro nas tardes transparentes
Suas sílabas redondas
(Ó antigas ó longas
Eternas tardes lisas)
Mesmo que eu morra o poema encontrará
Uma praia onde quebrar as suas ondas
E entre quatro paredes densas
De funda e devorada solidão
Alguém seu próprio ser confundirá
Com o poema no tempo
Sophia de Mello Breyner Andresen, Livro Sexto
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