Estava doente e sabia que o fim se aproximava. Einstein morreu há 50 anos. O corpo foi cremado e as cinzas lançadas a um rio. Antes, retiraram-lhe o cérebro sem autorização, fotografaram-no e preservaram-no em formol aos pedaços. Com mais ou menos rigor, alguns livros relatam a estranha odisseia deste cérebro.
Por Teresa Firmino
Quando morreu, na madrugada de 18 de Abril de 1955, faz amanhã 50 anos, Albert Einstein personificava a genialidade. Por isso, o patologista responsável pela autópsia, no Hospital de Princeton, em New Jersey, nos Estados Unidos, onde o físico morreu, decidiu retirar o cérebro sem ter autorização da família. Fotografou-o inteiro e depois cortou-o em 240 pedaços, que guardou durante mais de 40 anos, como uma relíquia, em dois frascos de vidro com formol.
Na última década de vida, Einstein não estava bem de saúde. Sentia dores muito fortes no abdómen. "Estas crises duravam geralmente dois dias, acompanhadas de vómitos e reapareciam decorridos poucos meses", relata o físico Abraham Pais, no livro Subtil é Senhor - Vida e Pensamento de Albert Einstein (Gradiva). Após dores graves, em 1948, foi internado no Hospital Judaico de Brooklyn, em Nova Iorque, e foi-lhe diagnosticado um aneurisma na aorta abdominal (uma espécie de saco na parede externa da artéria que podia ser fatal se rebentasse). Einstein não ligou muito. "Que rebente", disse, segundo relata o livro Possessing Genius: The Bizzarre Odyssey of Einstein"s Brain, da jornalista canadiana Carolyn Abraham.
Por volta de 1951, o aneurisma estava a crescer. "Todos os que o rodeávamos sabíamos que a espada de Dâmocles pendia sobre nós. Ele também o sabia, e esperava-a, calmo e sorridente", disse Helen Dukas, secretária de Einstein desde 1928, numa carta a Abraham Pais.
A 18 de Março de 1950 fez o último testamento. Nomeou um amigo, o economista Otto Nathan, como testamentário, e ele e Helen Dukas como depositários de todas as suas cartas, manuscritos e direitos de autor, com a indicação de que deveriam ser entregues à Universidade Hebraica de Jerusalém, por cuja criação Einstein se bateu. O violino de Einstein, que aprendera a tocar em criança, foi deixado ao neto Bernhard Caesar, filho de Hans Albert.
O testamento incluía cláusulas para os filhos, Hans Albert (morreria em 1973), professor de engenharia na Universidade de Berkeley, na Califórnia, e Eduard, internado num hospital psiquiátrico em Zurique, na Suíça, com esquizofrenia (morreria em 1965).
Tanto a sua segunda mulher, Elsa Löwenthal, como a irmã Maja, a pessoa de quem se sentiu mais íntimo, já tinham morrido. Maja, que tal como Einstein nasceu na Alemanha, instalou-se também em Princeton. Era ela, Margot, filha da segunda e última mulher de Einstein, e Helen Dukas quem cuidavam do velho cientista, a viver no 112 da Rua Mercer, em Princeton.
Com Hans Albert não tinha uma relação fácil, porque Einstein se divorciou da sua mãe, Mileva Maric. "Teve uma relação complicada com o filho, mas fizeram as pazes", diz Carlos Fiolhais, físico da Universidade de Coimbra com gosto pela divulgação da ciência.
O neto a quem deixou o violino teve cinco filhos, e este ramo da família têm-se mantido discreto, conta Fiolhais.
Já da filha adoptiva de Hans Albert, Evelyn, não pode dizer-se o mesmo. Dedicava-se a fazer com que os fanáticos de seitas deixassem de sê-lo, tentou provar que era filha ilegítima do físico e envolveu-se numa luta judicial com um dos sobrinhos, Thomas, por causa da correspondência familiar de Einstein.
Foi a Evelyn, a viver na Califórnia, que Thomas Harvey, o patologista que autopsiou Einstein, foi mostrar, em 1997, uma dúzia de bocados do cérebro, dentro de um tupperware que transportou de carro pelos EUA, de costa a costa. Viajou com o jornalista Michael Paterniti, que relatou a odisseia no livro, pouco rigoroso e mal traduzido, Ao Volante com Mr. Albert - Uma Viagem Através da América com o Cérebro de Einstein (Teorema).
Olhos também foram retirados
Talvez por se aperceber de que o seu corpo podia ser alvo de uma disputa, Einstein quis ser incinerado. "Quero ser cremado, para que não venham venerar os meus ossos", disse certa vez, segundo Carolyn Abraham. Espalharam as cinzas num rio.
A 13 de Abril de 1955, sofreu um colapso. Ainda recuperou um pouco, mas no dia 16 o seu estado agravou-se e foi internado. Resistiu a fazer uma operação: "Quero partir quando quiser. É de mau gosto prolongar a vida artificialmente; já dei o meu contributo, é tempo de partir. Fá-lo-ei elegantemente."
A última pessoa a vê-lo vivo foi uma enfermeira. Como estava a respirar de maneira diferente, levantou-lhe a cabeceira da cama. Ouviu-o dizer qualquer coisa. Era em alemão, não percebeu. Einstein tinha 76 anos.
Morreu de um problema que podia ter evitado. Gostava de comidas gordas, culpadas pela acumulação de colesterol, que por sua vez contribui para a formação de aneurismas.
Hans Albert só autorizou a autópsia, por isso quando leu nos jornais o que tinha sucedido com o cérebro ficou aborrecido e telefonou a Harvey. O patologista sublinhou a importância de estudar o cérebro à procura de sinais anatómicos de inteligência. "Era o cérebro de um génio. Teria sentido vergonha se o tivesse deixado." Para Harvey, uma autópsia pode incluir remover e, em alguns casos, guardar o cérebro. Pelo menos foi o que justificou a Carolyn Abraham.
Tal como no caso do cérebro, também se levantam dúvidas éticas sobre a remoção dos olhos de Einstein pelo seu oftalmologista, Henry Abrams. A justificação para os tirar dada por Abrams a Paterniti foi esta: "Faziam parte do cérebro e eu queria uma recordação." Estarão guardados no cofre de um banco e, tal como no caso do cérebro, correu o rumor de que Michael Jackson esteve interessado em comprá-los.
Quando Harvey foi despedido, acusado de roubar o cérebro e de se ter recusado a entregá-lo ao director do hospital, inicia-se a odisseia de um cérebro que anda de cidade em cidade, sempre que Harvey muda de vida. De Princeton para o Missouri, onde se tornou médico de família; daqui para Lawrence, no Kansas, onde trabalhou numa fábrica de plásticos; e de novo para perto de Princeton, no fim dos anos 90.
Na altura da viagem no tupperware, já esta história rocambolesca era conhecida de muitos. Mas nem sempre foi assim: como o patologista decidiu levá-lo, durante muito tempo desconheceu-se o paradeiro do cérebro, até que em 1978 o jornalista Steven Levy, do New Jersey Monthy, de Princeton, localizou Harvey e o cérebro, em Wichita, no Kansas. Depois, foi notícia em todo o lado.
Para Carlos Fiolhais, tratou-se de um roubo e o cérebro não passou de um troféu de caça. Essa é aliás a ideia difundida, como atesta a canção de uma banda de heavy-metal, Attic of Love: Stealing Einstein"s Brain, de 1997, diz que um médico resolveu um dia roubar o cérebro, que depois adornava uma estante de troféus.
"É a dignidade humana que está em causa, não é a ciência. Não vale tudo", frisa Fiolhais. "A vontade do defunto era que o seu corpo fosse cremado e ele não isentou partes."
(Público, 17/04/05)